segunda-feira, 20 de abril de 2015

O chamado de Abraão (Gênesis 12,1-4)



Estranho quando pensamos que Deus somente chama aqueles que estão procurando alguma direção ou que O buscam, ignorando que Ele pode chamar quem quiser de onde quiser, quando quiser para a missão e o tempo que quiser. Ele é Deus e tudo está em suas mãos! Surpreender a criação! – essa possivelmente deve ser a maneira que Ele nos educa e busca cada dia nos conduzir para sua vontade e nos educar nas suas leis que contrariam todo sentimento de mesquinhez e egoísmo.
O vocare agora é para um caldeu de Ur, Abrão; homem já de certa idade, casado, bem sucedido na vida, dono de escravos e rebanhos; tudo muito bem estabilizado, tudo conforme a tranquilidade humana exigiria para alguém nos seus setenta e cinco anos. Mas Ele chama! Afirmamos veementemente que este Abrão que posteriormente a Sagrada Escritura chamará de Abraão é nosso pai na fé; porque soube crer num Deus que ainda não se tinha revelado de forma tão intima a nenhum outro homem.
Se acaso hoje Deus chamasse algum grande empresário, comerciante, padre ou bispo para deixar o que estivesse fazendo, com todas as coisas ao seu redor que aparentemente estivessem organizadas e bem administradas para uma missão desconhecida e, desculpe-me a redundância, aparentemente louca, deixaríamos tudo para ouvi-lo e buscaríamos seguir sua voz? Seria loucura! – uns responderiam. Insanidade. Com certeza fruto de alguma frustração. Resultado de uma desilusão, amorosa, financeira, familiar... Ou ainda na pior das hipóteses: alguma perturbação psicológica.
Dizemos crer em Deus, afirmamos ama-lo, gritamos ou murmuramos em nossas assembleias que queremos e ansiamos por ouvirmos a sua voz, sua vontade e de cumpri-la fiel e integralmente... mas só o queremos enquanto a vontade e a voz Dele não mexe na nossa comodidade, nos nossos planos. Aí preferimos cerrar nosso ouvidos e afirmarmos que precisamos de um psicólogo ou de um padre, ou um pastor - seja lá o que for – porque não devemos estar bem. Usamos de vários meios para que aquilo que a fé e as exigências de crer pedem de nós sejam abafadas e sufocadas, porque não coincidem com as minhas aspirações religiosas.
Não é mais o homem que se molda à medida do seu criador, agora o criador deve se abaixar e se amoldar às concepções banais e com fins escusos que o coração da criatura se entregou, e ao se entregar, se perdeu e se tornou disforme daquilo que pensou o seu oleiro. Coloco minhas aspirações, meus projetos, tudo o que diz respeito ao meu bem pessoal (acreditando que sei o que é bom pra mim) acima, a frente, de forma que esmague, ou na melhor das intenções, que aquiete este chamado que não é para mim pois não corresponde ás minhas expectativas e planos.
Somos, na maioria dos casos deste jeito, estamos muito bem onde estamos. Temos nossos amigos, nossos colegas, nossa família, pessoas que nos estendem a mão quando precisamos, alguns que nos atazanam e nos tiram a paz, mas tudo bem, faz parte do caminho...mas é aqui onde devo permanecer, aqui onde tenho estabilidade, onde já aprendi a lidar com tudo e todos, aqui onde cada coisa demorou para se encaixar, mas...ufa!se encaixou! Somos todos acomodados com nossas vidas, que embora não sejam perfeitas, me fazem bem, me dão, aquilo que podemos chamar de um lugar para reclinar a cabeça.
Deus quando nos chama não olha para o que já temos, o que queremos adquirir, nossas estabilidades humanas. Ele quer que nossa fé, seja realmente aquilo que é, um lançar-se em algo sem saber exatamente o que é, sem garantias humanas de cumprimento de expectativas, sem margem numérica para acertos e ganhos. Ele só, e simplesmente só, espera que nós possamos estar atentos á sua voz, que possamos ouvi-lo com atenção, que saibamos dar uma resposta que nos comprometa, que nos faça agir com seriedade e sinceridade na entrega a Ele.
Abrão só pode ser chamado posteriormente pelo próprio Deus de Abraão porque soube muito mais que sair de Harã, com sua esposa e pertences, assim foi chamado pelo Deus vivo porque soube abraçar não só com o coração ou com a razão, mas os dois juntos o fizeram empreitar uma loucura de seguir a um chamado. Quando dizemos que a fé de Abraão lhe assegurou o cumprimento da promessa não foi só por crer em Deus e em suas palavras, mas por ter crido com o coração e professado em atos que este Deus era o Deus dos impossíveis, um Deus fiel que lembra de sua aliança e a cumpre.
Talvez não para nós hoje acreditarmos em uma vocação, como afirmam alguns, tardia, seja até ridículo, talvez não sejamos corajosos o suficiente para externarmos nossa opinião sobre tal loucura, mas no fundo de nosso coração – para não dizer que mastigamos o assunto – nos questionamos: o que será que fez ele/ela em uma idade dessas tomar essa decisão? Será que não poderia só frequentar a igreja como todos da idade dele/dela, e estaria de bom tamanho? Porque isso agora? Infelizmente essas são algumas perguntas infundadas que muitos de nós fazemos, mas; não foi Deus quem chamou?
O chamado quando correspondido na generosidade, no amor, na simplicidade, na integralidade mesmo não dispensando certos questionamentos internos que devem ser bem partilhados e dirigidos por alguém guiado pelo Espírito Santo, gera no coração do vocacionado uma alegria e um entusiasmo que o faz querer se lançar de corpo e alma a missão. Porque não há coisa mais deliciosa que se entregar a algo que fala tão forte ao coração que faz calar nosso orgulho, vaidade e mesquinhez e nos proporciona um antegozo do paraíso, mesmo que embora imperfeito e temporalmente limitado, mas que trás á alma uma percepção diferente de mim e dos outros que me circundam, porque me leva a olha-los como Deus os olharia.
No percurso do caminho muita coisa vai acontecer, muitas guerras serão enfrentadas, muitas perdas aconteceram, talvez não vejamos a obra concluída, talvez só ponhamos ás bases ou quem sabe só abramos os buracos para que outros comecem a edificar, mas o que realmente vale a pena é nos deixarmos guiar por essa voz, audível só ao coração daquele que busca o Senhor mesmo na incerteza do que procura, mas o busca, porque sabe que a sua esperança e o seu caminhar não são em vão.
Abraão cometeu erros, assim como todos os que somos chamados, porque ao ouvirmos a voz de quem nos chama, só ouvimos o nosso nome e um fogo que arde em nosso coração e vai nos conduzindo, por meio de trevas e luzes á meta que Ele nos chamou e inseriu em nosso coração. Sim! Não sabemos especificamente para que nos chamou, certeza do chamado, mas a sua voz nos deixa inquietos, e essa inquietude nos leva a buscarmos uma resposta que só nós poderemos dar, somente eu e você poderemos corresponder aquele que nos ama e nos chama. Sua voz só se faz audível aquele que se dispõe a abrir seu coração à verdade eterna, que transpõe as razões deste mundo corrompido e se lança na eternidade, com Ele.


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